Os últimos dias da humanidade começou a ser escrito em 1915. A primeira versão da obra veio a lume na revista Die Fackel, em 1918-1919,
tendo sido publicada em livro em 1922, numa versão revista e alargada. Esta primeira edição portuguesa apresenta uma selecção de 115
cenas das 209 que constituem o texto original. Ninguém levou tão longe a representação do mal absoluto da guerra. Kraus procurou captar
o teatro de guerra como fantasmagoria tecnológica e discursiva. Montagem verbal e montagem cénica desenvolvem-se segundo uma lógica
recursiva e centrífuga, capaz de dar ao horror dos actos e das palavras um alcance social panorâmico. A intensidade do pathos satírico e a
multiplicação dos quadros dramáticos permitiu-lhe construir uma estética da mais alta indignação. Para o estado de apocalipse a que a
humanidade se condenara nem o testemunho do poeta era já possível. Notícias impressas, oratória militar, pregões, cenas de rua, dos
corredores do poder e das frentes de batalha alternam num processo de montagem, cuja natureza documental só acentua a miséria da
linguagem. Os últimos dias da humanidade mostra de que forma as condições de inteligibilidade do presente produzidas pela imprensa fazem,
de facto, parte da ordem da morte que alegadamente descrevem. Ao tornar visível essa ignóbil função de tornar invisível o sofrimento dos seres
humanos, Kraus encena o moderno mercado da violência que tornou a humanidade cúmplice do seu próprio extermínio.